Quando o Caminho se Corrompe.

Cavaleiros do Zodíaco: um guia para a redenção brasileira.

Recentemente, em uma conversa no Instagram, um rapaz desabafou:

“Não há esperança pra este país. Nada prático sendo feito contra o autoritarismo, só ilusões.”

Sua declaração ressoou em mim, trazendo à tona a triste realidade de muitos brasileiros que se sentem desamparados diante de um cenário político conturbado. Em resposta, propus que ele estava colocando a fé no elemento errado, que a esperança não deveria ser vista apenas como um meio para alcançar um fim, mas sim como uma força interna que deve emanar de cada um de nós e das pessoas ao nosso redor.

Foi nesse contexto que, analogicamente, percebi a semelhança de “Cavaleiros do Zodíaco” como um reflexo da nossa própria realidade. Saint Seiya foi um desenho muito conhecido no Brasil nos anos 90, famoso pelas lutas dos cavaleiros, imersos em batalhas por justiça e verdade, que espelham o que muitos brasileiros têm vivido em suas vidas na atualidade: lutar contra a corrupção e a desilusão.

Assim como os personagens em Saint Seiya enfrentam adversidades em nome de um propósito maior, no Brasil existe a necessidade de confrontar as injustiças que permeiam nosso cotidiano, principalmente a corrupção, que invade as instituições e ressoa na vida de todos, levando o brasileiro à desesperança e ao cinismo, alimentando o ciclo de descrença.

A esperança, longe de ser um mero ideal romântico, deve ser um chamado à ação, uma conscientização de que a transformação requer não apenas vontade, mas também responsabilidade coletiva e, principalmente, individual. Quando um indivíduo melhora a sua vida, todos ao seu redor também sentem e se beneficiam, gerando um efeito dominó de boa vontade (no sentido schopenhaueriano).

Saint Seiya é um extenso anime, mas dentro da saga do Mestre do Santuário está concentrado o símbolo da corrupção que permeia as instituições, semelhante à realidade política brasileira. De forma similar, os políticos brasileiros, que deveriam ser os guardiões da Constituição — nossa Atena — muitas vezes acabam protegendo um sistema já tomado pela corrupção, traindo o bem comum em prol de vantagens pessoais.

Assim como os cavaleiros de bronze, o povo brasileiro se vê na posição de lutar contra esses poderosos adversários, buscando restaurar a justiça e enfrentando uma realidade onde o cinismo e a desilusão parecem prevalecer. Os Cavaleiros de Ouro são considerados os guardiões mais poderosos, responsáveis por proteger a deusa Atena, que simboliza a justiça e a verdade. Entretanto, dentro da saga do Mestre do Santuário, muitos desses cavaleiros se tornam cúmplices de um regime corrupto, agindo em nome de interesses distorcidos que não resultam em um bem maior, representando os políticos e o judiciário brasileiro.

O Santuário em Saint Seiya, assim como a política, é um meio para alcançar algo maior. No anime, ele representa uma estrutura que deveria proteger Atena, a deusa da sabedoria e da justiça; na política, deveria ser o sistema que garante os direitos e a ordem social no Brasil, protegendo a Constituição. Ambos, no entanto, são corrompidos internamente.

O Santuário, dominado por Saga de Gêmeos, que usurpa o poder, é um reflexo da corrupção que domina a política brasileira, onde os representantes do povo, que deveriam zelar pelo bem comum, na verdade, defendem seus próprios interesses.

Os Cavaleiros de Prata são os personagens enviados pelo Santuário para deter Seiya e seus companheiros, defendendo cegamente uma ordem que já foi usurpada por Saga de Gêmeos. Na analogia com o Brasil, eles representam o braço burocrático e tecnocrático de um sistema corrompido, que, em vez de proteger o povo e assegurar a justiça, muitas vezes se tornam instrumentos de opressão e perseguição, usados para manter o status quo e atacar aqueles que desafiam o sistema, levando a um extremo legalismo.

O burocrático só consegue visualizar a justiça dentro de um sistema, sendo um dos principais obstáculos para a mudança no país. Assim como os Cavaleiros de Prata, que não questionam a moralidade e a ética de seus superiores, muitas instituições e servidores públicos brasileiros reproduzem mimeticamente o comportamento corrompido.

Os Cavaleiros de Prata são como peões em um jogo de poder, refletindo a maneira como certos indivíduos são utilizados como instrumentos em disputas políticas, onde a ambição e os interesses pessoais prevalecem sobre o bem coletivo, representando cidadãos comuns que, em busca de ascensão social, acabam se tornando cúmplices de um sistema corrupto, perpetuando-o, em vez de proporcionar uma mudança genuína, aumentando o sentimento de desesperança do povo brasileiro.

Outro problema enfrentado na realidade brasileira é a desumanização resultante da politização, assim como os Cavaleiros de Prata, que estão focados apenas em derrotar seus oponentes, perdendo o senso de humanidade. Isso reflete a forma como os políticos podem desumanizar seus adversários e os próprios cidadãos.

Ainda traçando um paralelo entre a burocracia e o povo, simbolizados pelos Cavaleiros de Ouro, Prata e Bronze em Saint Seiya, é inevitável associar essa dinâmica a Gilberto Freyre, um importante sociólogo brasileiro que enfatizou a relevância da cultura e da identidade na formação da sociedade brasileira.

Em sua obra, Freyre criticou uma elite brasileira fria e distante, que prioriza suas tradições e status em detrimento das necessidades coletivas, como cultura e educação, contribuindo para a deterioração do verdadeiro valor cultural, perpetuando um ciclo de pobreza e desespero, já que a falta de valorização da cultura resulta na perda do senso crítico. Essa situação se assemelha aos Cavaleiros de Ouro, que se ocupam de suas regalias, ignorando as necessidades dos Cavaleiros de Bronze.

No legado de Freyre também constam as análises sobre as questões de moralidade na sociedade. Assim como os políticos e o judiciário podem desvirtuar a política, os Cavaleiros de Ouro, ao corromper o Santuário, exemplificam uma moralidade deteriorada, afastando-se da verdadeira justiça, como o Cavaleiro de Ouro de Câncer (Máscara da Morte), que relativiza a moral, a justiça e o bem, usando do seu poder para oprimir inocentes, ilustrando a falta de empatia das classes altas em relação às mais baixas.

Para Gilberto Freyre, entender a história do Brasil é fundamental para a transformação da sociedade brasileira, o que resultaria na verdadeira proteção da Constituição (Atena); porém, isso só ocorrerá quando os políticos (Cavaleiros de Ouro e Prata) se comprometerem com uma narrativa histórica que valorize a cultura e o povo brasileiro ao invés dos próprios interesses.

No entanto, em Saint Seiya, nem todos os Cavaleiros de Ouro apoiam cegamente o Grande Mestre. Alguns, como Mu de Áries e Aiolia de Leão, percebem as injustiças cometidas pelo Santuário e decidem apoiar os Cavaleiros de Bronze, correspondente a uma minoria política que também existe no país e que ainda têm senso de justiça e procuram defender a constituição e os interesses do povo. Esses são aqueles que, em momentos de crise institucional, desafiam as decisões autoritárias e se aliam à causa popular, mesmo que isso signifique correr riscos políticos.

Já a deusa Atena, em Cavaleiros do Zodíaco, representa a justiça e a proteção dos direitos fundamentais, como a Constituição brasileira, que atua como guardiã das garantias e prerrogativas de todos os cidadãos. No entanto, muitos brasileiros a consideram falha, pois, na prática, as garantias estabelecidas por ela, muitas vezes, são desconsideradas ou distorcidas por aqueles que deveriam defendê-la, tal como ocorre com os Cavaleiros de Ouro e de Prata.

Diante de adversários poderosos que ameaçam sua integridade, Atena enfrenta desafios constantes. Da mesma forma, a Constituição é frequentemente desafiada por um sistema político e judiciário corruptos que priorizam interesses pessoais. Esse cenário revela que, simbolicamente, tanto a deusa quanto a Constituição têm o potencial de cumprir seus papéis de defensoras da justiça.

A analogia entre a saga do Santuário e a situação atual da República brasileira oferece um retrato claro de como o desequilíbrio de poder em uma democracia pode levar à tirania. Assim como em Saint Seiya, a luta dos Cavaleiros de Bronze para restaurar o Santuário simboliza o povo brasileiro, que busca por justiça e transparência na política e como Seiya e seus amigos precisam assumir um papel responsável na luta contra a corrupção, o cinismo e a descrença para que a ordem seja restabelecida.

No entanto, os Cavaleiros de Bronze enfrentam uma clara desigualdade de poder ao desafiar os Cavaleiros de Ouro e de Prata. As diferenças entre as armaduras e as habilidades de ambos simbolizam o status e a influência que os políticos têm dentro das instituições democráticas em relação ao povo.

Sendo subestimados por sua aparente fraqueza e inferioridade, os Cavaleiros de Bronze representam a força daqueles que, apesar das circunstâncias, lutam pela justiça e pelos valores legítimos, tornando-se um exemplo para a realidade brasileira, demonstrando que, em uma República, apesar das dificuldades, é possível promover mudanças, mesmo diante de adversários mais poderosos.

Por esse exemplo de conquista em meio às adversidades, os Cavaleiros de Bronze simbolizam o mapa para a redenção brasileira, composto por cinco integrantes: Seiya, o líder; Shiryu; Shun; Hyoga; e o anti-herói Ikki, onde cada um deles exemplifica um elemento essencial na busca por soluções para a realidade política brasileira:

1. Seiya – “Sou brasileiro e não desisto nunca”

Seiya é o líder dos Cavaleiros de Bronze e representa a perseverança. Apesar de enfrentar desafios que parecem impossíveis de vencer, ele nunca desiste, refletindo o espírito de perseverança do povo brasileiro, que, mesmo em tempos de crise, continua lutando por dias melhores, resistindo às injustiças.

Mesmo com o espírito guerreiro, muitos brasileiros estão cedendo à desesperança e ao cinismo. Seiya também é a personificação do antídoto ao conformismo; ele nunca se conforma com a derrota ou com o status quo. Ele pode ser visto como uma inspiração para continuar lutando por mudanças, afinal, como Hannah Arendt demonstrou, o conformismo é um comportamento importante para a banalização e perpetuação do mal.

É graças à perseverança de Seiya que os Cavaleiros de Bronze conseguem passar por todas as casas, vencer todos os obstáculos e salvar Atena, restaurando o Santuário.

Lembre-se: quem dura mais vence.

2. Shiryu de Dragão – O Sacrifício e a Honra x O Jeitinho Brasileiro

Shiryu é o cavaleiro que mais se sacrifica, sendo movido por um profundo senso de honra e dever, e é um exemplo profundo de disciplina e aprendizado contínuo, demonstrando ao brasileiro que, para restaurar a ordem, é necessário o aprimoramento da educação contínua no Brasil, algo que muitas vezes é negligenciado, mas que é fundamental para o progresso da nação.

O dragão, por outro lado, representa transformação, renovação ou evolução, alinhando-se com a necessidade de mudança no cenário político. Mas mudar exige disciplina e constância; a adaptação deve servir para renovar e não mascarar os problemas, como culturalmente o brasileiro se comporta.

3. Ikki de Fênix – A Redenção dos Maus Costumes

Ikki simboliza a superação de vícios ou padrões destrutivos presentes na sociedade brasileira. É um personagem que, inicialmente, foi corrompido, principalmente pela influência negativa da Ilha da Morte, local onde treinou para se tornar um Cavaleiro. Ele simboliza que um indivíduo pode transcender a cultura local, encontrar a redenção e retornar ao caminho da justiça.

Ikki representa os vícios e comportamentos nocivos enraizados, como a corrupção, o jeitinho brasileiro, o conformismo ou a desconfiança nas instituições. Esses fatores prejudicam a cultura brasileira; quando esta é prejudicada, todo o sistema é abalado, pois é a cultura que forma os políticos e a elite que vai governar o país.

A redenção de Ikki pode ser personificada na famosa frase de Nietzsche: “Um homem precisa se queimar em suas próprias chamas para poder renascer das cinzas.”

4. Shun – A Passividade Destrói a Esperança

Shun simboliza a passividade. Como o brasileiro, ele tem uma natureza compassiva e gentil, o que faz com que, em muitos momentos, evite o conflito ou transfira a responsabilidade de sua defesa para outro. No caso do povo brasileiro, há uma dependência de políticos e do Estado para resolver seus problemas.

Assim como Shun, que muitas vezes se recusa a lutar, esperando que alguém o defenda, o povo brasileiro espera que uma solução venha de fora, ao invés de agir diretamente e se responsabilizar por suas atitudes, como achar que Elon Musk ou outro país vai salvar o Brasil do autoritarismo judiciário, quando o próprio povo segue sendo extremamente passivo.

Porém, Shun consegue transcender seu vício da passividade exacerbada, o que serve de exemplo ao brasileiro. Isso ocorre na saga do Santuário, quando finalmente abraça sua própria força, deixa de depender dos outros e enfrenta seus inimigos. Da mesma forma, a sociedade brasileira precisa encontrar sua própria voz e força de ação, sem esperar por salvadores.

Para Shun, o conflito deve ser evitado a todo custo, e a luta só é válida quando absolutamente necessária. Isso reflete o comportamento de muitos brasileiros diante da corrupção na política e na justiça. Defender-se é crucial para a sobrevivência, mas, acima da defesa, está a indignação. Quando é preciso se defender, significa que algo ruim está atacando, e, antes que o mal ganhe força, é necessário indignar-se contra ele e buscar mudar o rumo das coisas.

Assim como Shun, Rubião, personagem de Quincas Borba, de Machado de Assis, também não assume uma postura ativa para proteger seus interesses e acaba sendo tragado por forças externas. Rubião ilustra como a falta de indignação e a idealização excessiva podem levar à perda de esperança — um sentimento que tem afetado muitos brasileiros.

Santo Agostinho disse que a esperança tem duas filhas: a indignação e a coragem. A indignação ajuda a não aceitar as coisas como são, e a coragem ajuda a mudá-las.

5. Hyoga de Cisne – A Mesquinharia Impede a Evolução

Hyoga de Cisne representa, em Cavaleiros do Zodíaco, um apego intenso ao passado, simbolizado pela ligação com o corpo de sua falecida mãe, que permanece nas profundezas geladas do oceano Ártico. Ao contrário de outros Cavaleiros, cuja motivação é lutar por justiça, Hyoga inicialmente busca algo mais pessoal e estagnante: visitar o corpo de sua mãe. Esse apego pode ser interpretado como uma metáfora para o comportamento de muitos brasileiros, que se prendem a situações que não oferecem crescimento, preferindo a segurança da zona de conforto ao invés de buscar algo maior, como justiça, benevolência e evolução.

Esse comportamento reflete a mesquinharia, caracterizada pela falta de senso crítico e pela incapacidade de avaliar a realidade de maneira profunda, priorizando o que é imediato e familiar, mesmo que seja ineficaz ou sem valor duradouro. Um excelente paralelo literário para essa crítica é o conto A Barganha, de Lima Barreto. Nele, um pescador tenta vender imagens de santos que considera valiosas, mas que ninguém aprecia ou compra. Isso simboliza a falta de reconhecimento do valor cultural e artístico, assim como a resistência àquilo que é genuíno e profundo, preferindo interesses imediatos e superficiais.

A atitude das pessoas que não compram os santos do pescador pode ser vista como uma crítica à mentalidade que resiste ao novo e ao diferente. Hyoga, com seu apego às suas pequenas perdas, reflete esse comportamento: uma preferência pelo conhecido, mesmo que ele não leve ao crescimento. A mesquinharia é essa insistência em ganhos imediatos e conveniência, sem enxergar um horizonte mais amplo. Isso se reflete na maneira como muitos brasileiros se apegam a pequenas conquistas sem aspirar a algo maior.

A vida, como nos ensina a trajetória de Hyoga, não pode ser apenas sobre sobreviver. Deve-se saber por que se vive e por quem se luta. É nesse entendimento que reside a possibilidade de esperança e transformação.

Esses cinco personagens, cada um à sua maneira, oferecem lições valiosas para o Brasil contemporâneo. A saga do Santuário em Cavaleiros do Zodíaco pode ser analisada como uma alegoria sobre a corrupção nas instituições políticas e a luta do povo para restaurar a ordem e a justiça. Ao reconhecer que as soluções não virão de figuras externas ou de sistemas já corrompidos, os brasileiros podem se inspirar na força, perseverança e responsabilidade individual representadas pelos Cavaleiros de Bronze.

Essa é a chave para a redenção brasileira: uma luta coletiva que começa com mudanças internas e individuais, sem esperar que a salvação venha de políticos, mas da capacidade de se colocar acima das circunstâncias e não se tornar refém dela.

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