Por que estamos fugindo de sentir?

Navegando pelo Instagram, uma rede social que me deixa bastante intrigada, me deparo com diversos influencers, nova profissão em decorrência da tecnologia que dominou o mundo. A internet, essa tecnologia, nos proporciona vivenciar coisas importantes e revolucionou a forma como o ser humano se relaciona por completo. Nunca em nenhuma era da história da humanidade nos deparamos com tal feito; nunca fomos tão bombardeados com tanta informação, nunca estivemos tão conectados e desconectados ao mesmo tempo, capaz de criar novas profissões; de “tecnocratizar” e “burocratizar” o mimetismo humano e a capacidade de influenciarmos uns aos outros, transformando algo intrínseco humano em profissão, devido ao alcance que hoje se tem com a internet e também com as exigências do mercado.

Um vídeo de um influencer me chamou atenção, pelo erro cometido de reduzir as complexas interações entre as estruturas psíquicas e os processos cognitivos como um simples processo químico de neurotransmissores receptores de dopamina e o pior, reduzir relações humanas a isso, podendo gerar o que eu acho mais perigoso no mundo dos influenciadores da internet, a ideia de que existe um ideal e que você alcançará a felicidade, uma vida plena e feliz, que nesse caso é o controle das expectativas, emoções e sentimentos, isso é irreal e quanto mais irreal, mais desumano é. Me chama a atenção a ideia de que o vídeo fala de idealização sobre pessoas, mas o mesmo está idealizando uma maneira de lidar consigo mesmo, como se ele tivesse total e absoluto poder sobre si, pior ainda, colocando à expectativa como algo ruim, algo que pode segundo ele “mexer com a sua dopamina e te tornar um viciado”, isso abre um leque para tantos questionamentos e para um padrão de comportamento que tenho me deparado na internet já há tempos, a fuga do sofrimento.

Analisando o discurso do vídeo vem o primeiro questionamento: Só há as duas opções mesmo de resposta na idealização? É possível amar sem idealizar? É possível viver sem expectativas? O influenciador deixa claro no vídeo: “criar expectativas nunca vale a pena”, eu acho um erro grotesco, influenciar pessoas para algo utópico e impossível de se fazer, não criar expectativas. Outra questão é: a expectativa é resultado de processos químicos envolvendo os receptores de dopamina? Só há duas saídas, realizar a expectativa ou se frustrar diante da expectativa não realizada, o que, segundo ele e o estudo no qual ele se baseou, faria os níveis de dopamina caírem e fariam o indivíduo ter uma posição mais pessimista em relação à vida, isso é tão complexo que eu vou por partes para não se perderem e demonstrar o quão perigosa é essa idealização.

  1. O ser humano é um animal complexo, sendo o homo Sapiens uma espécie que possuí razão, ou seja, é um animal racional, ao contrário dos outros animais, o homem não é escravo do instinto, na verdade desde que o homem se tornou consciente da consciência ele se guiou muito mais pela consciência, do que pelo instinto, é a principal diferente entre o homem da pré-história e o homem dos tempos atuais.
  2. A mente humana não são só conexões químicas produzidas por neurotransmissores em decorrência do DNA e do RNA, a consciência humana é muito mais que isso, é complexa, se fosse assim, qualquer ser humano poderia ser controlado, o que não é verdade. Há estudos que mostram que a relação entre os transtornos mentais mais comuns como a depressão e os transtornos de ansiedade não são resultados de baixos níveis de serotonina, dopamina e noradrenalina, mas algo que envolve diversos fatores, como alimentação, genética (probabilidade), ambiente, infância, subjetividade, personalidade e etc. A revista Time publicou um estudo sobre a experiência humana, durante a Guerra do Vietnã, onde 20% dos soldados americanos se viciou em heroína, mas contrariando as expectativas, 95% deles abandonaram o vício ao voltar para casa, ressaltando o envolvimento da dopamina no processo do vício, o ambiente influencia (e muito) as estruturas psíquicas e os níveis de neurotransmissores, outros pesquisadores utilizaram essa mesma dinâmica com ratos de laboratório e o resultado foi parecido. A questão é: a dopamina não é o fator principal para uma visão pessimista sobre a vida, isso é multifatorial.
  3. Idealização é diferente de Expectativa.
    Apesar de ambas poderem estar relacionadas e geralmente se relacionam, a idealização está associada a uma fantasia, não tem necessariamente associação com o passado do individuo, mas sim com o desejo, como é algo mutável, o desejo pode estar relacionado a experiência antigas, ou até muito nova, já a expectativa está relacionada também ao desejo, mas associada a questões cognitivas de tomada de decisão, está mais ligada a vontade, a espera de uma ação baseada em algo concreto, como uma experiência.
  4. Lidar com a frustração faz parte da vida, ser um adulto está justamente em sair da demanda (necessidades) para o desejo, bancar o desejo e saber que a realidade não está aí para mim ou para qualquer individuo, a realidade existe por si só, há também diferença entre prática e teoria, desejar é fantasiar, imaginar, bancar o desejo insiste na dinâmica que o mundo pode me desapontar, as coisas sempre não saem do jeito que eu quero e isso pode ser bom, mas também pode ser ruim, como a pessoa que perde o voo e logo mais vê na TV um acidente aéreo envolvendo o avião que tinha perdido, ou a rejeição por um homem e uma mulher que mais tarde é vista como alguém de caráter duvidoso, mas a questão é ainda mais profunda, prática e teoria sempre vão ser diferentes. A diferença entre um adulto e uma criança é saber lidar com as frustrações da vida, inclusive a rejeição do outro, que sempre estará presente, ninguém é totalmente o filho que o pais projetam e idealizam, assim como os pais não agirão e nem serão os pais idealizados pelos filhos, seguindo pela vida na escola, com amigos e por fim nos relacionamentos amorosos, mas o adulto sabe lidar com as frustrações, seu Ego (visto como mediador aqui e não no senso comum) não é frágil, sabe que seu valor, conhece a sua história, também tem consciência que o mundo não existe para si (narcisismo), como a criança que tem o mundo em torno de si, os cuidadores vivem em torno, quando chora se alimenta, é higienizado, recebe afago para as cólicas, independente dos horários suas necessidades devem ser atendidas (até porque um bebê tem necessidades que só podem ser satisfeitas pelo outro, na infância a criança tenta ser a projeção e a idealização da mãe, com o seu cérebro imaturo, imagina que não irá sobreviver sem a mãe, principalmente no campo afetivo, a mãe nesse caso é o que Lacan denominou de O Grande outro, mais tarde, já na vida adulta, pessoas que não superaram a ideia da fragilidade humana, do desamparo, que não há de fato algo fixo a ser seguido, que a vida é baseada nas próprias escolhas e terá que bancar essas escolhas se responsabilizando por elas. O que quero dizer é que o problema aqui em questão, ou o sintoma, é a dificuldade de lidar com as frustrações, não a expectativa baseada na experiência que teve com uma pessoa, como no vídeo e isso não vai determinar a visão pessimista de ver o mundo de uma pessoa, porque o homem pode escolher suas reações.
  5. Tem como amar e viver sem criar expectativas? Não. A expectativa é muito importante, porque por qual motivo sairíamos da cama se não tivéssemos expectativas sobre a vida? Se pode viver sem esperar nada da vida? Impossível! Tem como amar sem esperar nada do parceiro? Não. Alías, não criar expectativa é uma fantasia, o próprio ator do vídeo está fantansiando e desejando não sofrer pelas frustrações, isso é possivel?Não, é uma fantasia! Na verdade na busca do não sofrer é onde já está o sofrimento, é a busca do não sentir. Mas e se não for como eu pensei que fosse? Isso que Freud chamou de castração, e quem foi que lhe disse que a vida seria só a realização dos seus desejos? Outra fantasia. A castração ou a frustração está aí para ser bancada, há formas de bancá-la, o homem é o único animal que convive diariamente mesmo que inconsciente com a consciência da sua finitude e da sua fragilidade, é possível superar as frustrações de maneiras saudáveis e isso não vai abaixar seus níveis de dopamina e também não vai mudar sua visão de mundo, afinal o homem não é escravo das circunstâncias, não é definido pelo o que lhe acontece, mas pelo o que ele escolhe ser e como agir, afinal, como o Jung diz: você é aquilo que você faz, não o que você fiz que iria fazer.
  6. A fantasia de ser completo, também pode se encaixar no pendulo do Schopenhauer, como se o fato de desejar se acabasse e entrasse o tedio e depois de se relacionar com a pessoa você vai se deparar com a pessoa “de verdade” e não com a suposições que você imaginava que ela fosse, aí está um paradoxo, conhecer alguém implica em desconhecer aquela suposição de quem você imaginava, mas isso não é um problema em si, é algo que sempre acontece e vai acontecer, porque não tem como conhecer 100% alguém, você não vive dentro do outro e nem tem um super poder de onipresença, assim como Freud disse quando introduziu o inconsciente nas práticas clinicas: o homem não é senhor da sua própria morada, quantas vezes temos reações completamente diferentes das quais imaginamos que teríamos? Isso mostra outro ponto já citado acima, o da prática e o da teoria que sempre vão ser diferentes, nunca iguais, mas ainda sim se relacionam, como o prédio imaginado e depois de construído, vão encontrar desafios na prática, imagina na suposição do outro se nós mesmos não nos conhecemos totalmente, temos reações inexplicáveis, se atraímos por pessoas que nos fazem mal e não sabemos identificar porque a amamos, no apaixonamento sim pode ocorrer o tédio, mas ele também faz parte da vida. Na imaginação tudo se pode (graças a Deus), pois é de lá que vem o mundo das possibilidades, as formas de analisar o mundo, a lógica e por fim a razão e até a própria fé, mas é principalmente na fantasia que podemos ver o desejamos, fantasia e realidade não são opostos, se correlacionam.
  7. A fantasia de viver no presente, é um modo de sobrevivência do Ego, mas não deixa de ser uma fantasia, somos feito de passado, presente e futuro, o passado é quem nos tornou o que somos hoje, é importante entender como o passado nos afetou e afeta, mas ainda é olhar para o que nós fizemos com ele e o que escolhemos nos tornar, a infância está impressa no adulto, assim como os nosso antepassados com seus genes, é impossível viver só no presente, é uma forma de evitar sofrimento, mas como já disse, o sofrimento não pode ser evitado, devemos senti-lo e não procurar aliviá-lo de forma alguma e dar um significado a ele, podemos aprender com o sofrimento, algumas pessoas com distorções cognitivas ao ler isso vão me acusar de masoquismo, como acusaram Dostoievski, masoquismo nada tem a ver com aprender com o sofrimento e sim ver prazer no sofrer, isso tem diversas raízes, mas o masoquista nada mais é do que aquele que retira prazer, sim o mais puro prazer do sofrimento, o prazer por si só nada tem a ensinar, porque logo ele preenchido pelo tédio assim que é obtido, analogicamente é como uma bolha de ar que você tem na mão por instantes e desaparece, pois, prazer por prazer é vazio, um enorme vazio, contornado pela casca do prazer. O presente é tempo mais volátil que existe, porque, quando menos se espera já é passado, o futuro também está presente em nós, pelas probabilidade de nossas escolhas, mas também como as expectativas que temos em relação a vida e nós mesmos.
  8. Mas, ele acerta quando diz que a felicidade não está em uma pessoa, é a fantasia da completude. A felicidade é algo que, na verdade, não se pode perseguir. Também, nem o prazer. Ambos têm que ser como um resultado de uma atividade ou uma razão primária. Também é muita responsabilidade colocar uma pessoa para se responsabilizar pela sua felicidade. A outra pessoa nos mostra o que existe além de nós mesmos, ela não nos preenche; pelo contrário, nos mostra o que falta. O vazio que já existia é aumentado, nos mostrando que o que está no outro também não existe em nós, porque cada ser humano é único, como diz a psicóloga Ana Suy: “Quando miramos no amor, acertamos na solidão”. Agora, o que é solidão de fato e vazio é papo para outra hora.

Aqui me despeço, espero que a leitura seja útil. A intenção não é criticar a profissão do influenciador, mas chamar a atenção para que nossos desejos também podem ser moldados pelos outros (como a teoria do mimetismo de René Girard). A responsabilidade é maior quando nos colocamos na posição social de influenciar pessoas com técnicas; há a necessidade de se responsabilizar por essa escolha e entendê-la.

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